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Evento • 13/10/2025
Riscos estruturais estão no entorno da Saúde Suplementar
A presidenta da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Raquel Reis, aproveitou sua participação no 8º Seminário Jurídico de Seguros, realizado nesta quinta-feira, em Brasília, para traçar um quadro bastante preocupante sobre a situação dos planos de saúde no Brasil. No painel “Saúde Suplementar no Brasil - Perspectivas e Desafios”, ela destacou os riscos estruturais enfrentados pelo modelo de saúde suplementar e identificou o que chama de descompasso perigoso entre desejo da população por acesso à saúde privada e a capacidade real de expansão do setor.
Ela lembrou que, atualmente, cerca de 52 a 53 milhões de brasileiros têm acesso à saúde suplementar — um número que representa 25% da população brasileira. Mesmo com o plano de saúde figurando entre os três maiores desejos da população, junto com educação e casa própria, a taxa de 25% permanece estacionada. “Todos querem saúde suplementar, todos querem plano de saúde”, afirmou, acrescentando que esses 25% consomem hoje 60% de tudo que se gasta em saúde no país, enquanto os outros 75% da população, atendidos pelo SUS, ficam com os 40% restantes. Não parece proporcional, né?”, questionou.
Outro ponto preocupante levantado por Raquel foi o encolhimento acelerado do número de operadoras de saúde no Brasil. Nos últimos dez anos, houve uma redução de mais de 21% no total de operadoras em funcionamento. Essa queda, segundo ela, afetou desde pequenas operadoras ligadas a hospitais do interior, passando por unidades regionais de cooperativas, até grandes nomes do setor. “Unimed Paulistana quebrou. Golden Cross quebrou. Unimed Ferj e Unimed Rio estão em situação calamitosa, para dizer o mínimo.”
Além disso, grupos internacionais de peso também deixaram o mercado. A alemã Allianz e a japonesa Sompo, os dois maiores grupos seguradores do mundo, abandonaram a saúde suplementar no país. O mesmo aconteceu com o grupo americano HG, que vendeu a Amil anos após sua aquisição.
“A Sompo vendeu a carteira. A Allianz deixou a carteira entrar em run-off. O grupo HG desistiu da saúde suplementar no país. São dados alarmantes”, enfatizou.
Raquel também criticou o que chamou de “judicialização predatória” e decisões judiciais que, segundo ela, não levam em conta a racionalidade técnica ou o impacto econômico. “Cirurgia bariátrica de urgência, sob alegação de risco de vida? Isso não existe. Mas o juiz, muitas vezes sem conhecimento técnico, libera. E aí, quem paga? Todos nós, em forma de reajuste.”
Ela defendeu com veemência a ampliação da atuação do NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário), inclusive na saúde suplementar, como forma de garantir decisões mais fundamentadas.
“Nada é mais difícil de precificar do que um plano de saúde”
Compartilhando uma experiência marcante da faculdade, Raquel lembrou o ensinamento de um professor: entre segurar uma Ferrari, uma plataforma de petróleo ou o plano de saúde de um vendedor de pipoca, o mais difícil de precificar é este último. “Na lógica do seguro, tudo tem um limite máximo indenizável — menos a saúde. E agora, com o ritmo de incorporação tecnológica, isso se torna ainda mais gritante.”
Raquel expõe as tensões que ameaçam o equilíbrio do sistema de saúde suplementar brasileiro, sobretudo em meio a um cenário de inovações, envelhecimento populacional e judicialização crescente. Para ela, a sustentabilidade do setor exige mais que gestão — exige diálogo intersetorial, decisões técnicas e responsabilidade compartilhada. Sobre inovações tecnológicas, ela não negou seus benefícios, mas disse que a incorporação das inovações e de medicamentos sem avaliação prévia de impacto regulatório tem causado desequilíbrios profundos. A conta não fecha, acrescentou, lembrando o caso de medicamentos como o Zolgensma, de R$ 8 milhões por dose, e questionou os critérios de precificação. “Se uma criança recebe esse medicamento hoje e vier a óbito amanhã, a operadora ainda assim arca com os R$ 8 milhões. E repassa isso em forma de reajuste para todos nós. Isso é sustentável?”
“A margem da indústria farmacêutica é 20 vezes a das operadoras”
Raquel fez um apelo para que o debate não se concentre apenas nas margens das operadoras, mas também nas de outros atores do setor, especialmente a indústria farmacêutica. “Eu me arrisco a dizer: a margem da indústria farmacêutica é cerca de 20 vezes maior do que a margem dos planos de saúde. Essa conta está desequilibrada.”
A executiva também criticou a falta de entendimento da população sobre o modelo de mutualismo — base do funcionamento dos planos de saúde. “Mutualismo é um balde de dinheiro. Cada um coloca um pouco, e quem precisa usa. Se falta, vem reajuste. Só que abusos, fraudes, desperdícios... tudo isso esvazia o balde.” Nesse sentido, Raquel também defendeu a educação financeira e o entendimento do princípio do mutualismo como instrumentos essenciais para conter abusos, desperdícios e fraudes que comprometem a sustentabilidade do setor.
Crianças custam mais do que idosos? Sim. Terapias mais que câncer? Também.
Desafiando percepções comuns, Raquel trouxe dados surpreendentes: “Crianças até 8 anos, hoje, significam mais gastos do que idosos na última faixa etária. E gastamos mais com terapias do que com oncologia.” Ela também relembrou a decisão da ANS, em 2022, de eliminar os limites para terapias, destacando que o setor não é contra a ampliação, mas defende critérios claros e avaliações de impacto regulatório.
Ao finalizar sua participação, Raquel Reis reforçou o papel das operadoras e da FenaSaúde na busca por soluções sustentáveis. “Nosso compromisso é com a saúde. É promover mais saúde para mais pessoas, em parceria com o Ministério da Saúde. Mas é preciso que todos participem desse debate. O momento de discutir isso com seriedade já passou da hora.”
O Quarto painel- “Saúde Suplementar no Brasil - Perspectivas e Desafios” foi mediado pelo ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça. Além de Raquel Reis, houve palestras do ministro Antonio Carlos Ferreira (STJ), do juiz federal Clenio Schulze, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do advogado José Vicente Mendonça, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do médico Denizar Vianna, também professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O ministro Antônio Carlos Ferreira apresentou um panorama da evolução regulatória e jurisprudencial da saúde suplementar no país, destacando o papel da Lei nº 9.656/1998, da criação da ANS e das recentes decisões judiciais que buscam equilibrar os direitos dos consumidores e das operadoras. “O sistema exige racionalidade e sustentabilidade. Cada mudança no rol de procedimentos altera a base de cálculo e pode comprometer o mutualismo que sustenta os contratos”, afirmou o ministro. Ele ressaltou ainda o esforço do STJ em uniformizar entendimentos por meio de recursos repetitivos e fortalecer a cultura de precedentes para garantir maior previsibilidade e segurança jurídica.
Já o juiz Clenio Schulze destacou o caráter transformador da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.265, que fixou teses vinculantes sobre a cobertura de tratamentos não previstos no rol da ANS.
Segundo ele, a decisão “marca uma nova era”, ao impor cinco requisitos cumulativos para a concessão judicial de coberturas fora do rol — como a comprovação de eficácia por evidência científica robusta, ausência de alternativas terapêuticas e registro na Anvisa. O juiz ressaltou que a decisão fortalece a atuação técnica da ANS e amplia o papel do NATJUS como ferramenta de suporte científico às decisões judiciais. “Estamos diante de uma transformação profunda: o Judiciário passa a analisar não apenas o caso individual, mas todo o sistema regulatório da saúde suplementar”, concluiu.
No mesmo tom, o professor José Vicente Mendonça avaliou que a decisão do STF traz avanços importantes ao estabelecer critérios claros e fortalecer a deferência às decisões administrativas. Contudo, alertou para possíveis riscos de judicialização residual e para a necessidade de proteger a neutralidade técnica da ANS diante do aumento da pressão de grupos econômicos. “É uma decisão muito boa, mas precisamos acompanhar seus efeitos concretos. A centralidade da ANS aumenta o risco de captura regulatória, e isso exige vigilância e análise constante de resultados regulatórios”, destacou o jurista.
O último palestrante, o médico e professor Denizar Vianna, abordou o conceito de “evidência científica de alto nível”, ressaltando que decisões médicas e judiciais devem se basear em estudos sólidos e metodologicamente rigorosos. Ele citou o caso do uso da cloroquina durante a pandemia e de medicamentos genéticos de altíssimo custo para ilustrar os riscos de decisões baseadas em evidências frágeis. “Nem sempre um novo tratamento representa benefício real. Às vezes, pode causar mais dano do que cura”, advertiu. Vianna defendeu a adoção de ferramentas como o sistema GRADE, já utilizado pela OMS, para qualificar as evidências e oferecer suporte técnico mais preciso ao Judiciário.
No encerramento do seminário, o ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do STJ, celebrou a qualidade dos debates e reforçou a importância da capacitação contínua de magistrados e profissionais do setor. “O avanço tecnológico e as transformações jurídicas exigem atualização permanente. O diálogo entre os poderes e o fortalecimento técnico são fundamentais para garantir segurança jurídica e equilíbrio no sistema de seguros”, afirmou.
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